sexta-feira, 16 de abril de 2010
ENTREVISTA LÔ BORGES 18/11/2005
Uma conversa afinada com Lô Borges.
"No início eu até curti, mas fiquei estressado e caí na estrada e fui ser hippie "
Alguns meses atrás eu escutei a versão “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” pelo grupo Savath & Savalas e isso me fez pegar todos os seus discos antigos. Você já escutou essa versão?
Ah, sim. Eu só vim conhecer quando eu estava me apresentando em São Paulo no SESC. A promotora me mostrou e gostei muito. Achei bem bacana. Para mim chamou atenção por ter sido “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”. As pessoas têm uma atração por essa música. Ira e Um de Nós já gravaram uma versão. Teve um momento da minha vida quando Herbert Vienna queria gravá-la também. Fico muito feliz por isso. Já fui um cara muito gravado por músicos brasileiros como Tom Jobim. Muita gente gravou coisas minhas. “Girassol” já chamou a atenção de diversas pessoas em diversos momentos. Teve Elis, Nana Caymmi, Simone, Gal Costa. Para qualquer compositor isso é legal. Recentemente Beto Guedes gravou duas músicas minhas para o seu disco novo e o 14Bis também.
O que você acha que atrai nos músicos de hoje as suas gravações antigas?
Eu acho que significa que é um conteúdo que foi muito inexplorado. Ocorreu meio que a parte do grande movimento da época. Quem destacou mesmo foi Milton Nascimento. Mas foi feito com muita verdade. Muita sinceridade. Isso é importante, o reconhecimento. Valeu a pena ter feito e a continuar fazendo. A chama tem que estar sempre acessa para continuar escutando. É um reconhecimento de originalidade e coisas para quais retornarnamos ainda hoje. Atemporais, não são datadas. A gente tem feito tudo com muita emoção e verdade. Isso está valendo para as pessoas.
Por que você acha que Milton Nascimento conseguiu mais reconhecimento?
Milton começou muito mais cedo no Festival de Canção. Tivemos possibilidades diferentes. Éramos uma geração diferente. Quando eu tinha 10 anos, ele tinha 20. No álbum Clube da Esquina foi que eu fui lançado. Eu comecei depois. Milton já fazia música há muito tempo. Como Chico, Gilberto, Caetano, Edu, todos eles apareceram no Festival de Canção. Milton também tem uma qualidade de canção indiscutível e conseguiu pelos próprios méritos. Acho que foram vários fatores e também tinha o fato dele ter mais amigos.
Você pensa em fazer algo com as suas obras antigas?
A gente sempre pensa... Mas... Digo, o foco principal do compositor é o que está sendo feito hoje.
Você não gosta de tocar no assunto do passado?
Não, passado é legal. Tenho carinho pelo passado. Gostaria de recuperar as minhas obras editorialmente, refazer alguns discos como um ao vivo do disco do tênis, fazer um show de lançamento que nunca houve... Fazer um DVD.
Você estava no seu estado de espírito normal quando gravou o disco do tênis ou bebia ou usava drogas para poder conseguir aquela produção e instrumentação?
[Risos] Aquele disco foi feito de uma velocidade, foi feito em uma urgência incrível. Eu recebi um contrato por uma gravadora por causa do disco do Clube da Esquina, mas eu não tinha uma bagagem musical. Foi tudo muito rápido, eu tinha que fazer uma música pela manhã e grava-la à noite. Usávamos tudo que estava disponível no estúdio da EMI. Tinha cravo, guitarra, pedais, eu usava tudo. Tudo coisas do estúdio. Fui trabalhando com o que eu tinha na mão. Saía convidando os meus amigos para fazer isso comigo. Várias pessoas do Clube da Esquina participaram desse álbum. Alias, quase todo mundo do Clube da Esquina. Quando não tinha baterista profissional eu chamava alguém que sabia mais ou menos. Saiu bem improvisado. Fazia os arranjos ao vivo. Era uma loucura. Cada gravação eu tinha que ver como tratá-la. Os músicos faziam o que eu queria e eu fazia o que eles queriam. Uma produção coletiva que resultou em uma cara diferente. É o meu disco mais diferente. Tinha toda a formação básica, baixo, guitarra, bateria, mas ele tem muita percussão, Hammond, violas. Foi uma criação de urgência para cumprir o contrato e horário. Entrávamos às seis e saíamos à meia noite. Foi uma época que eu fique estressado. Tinha que fazer tudo no dia e falava o que iria gravar. Porra, eu tenho que fazer uma canção, aí chamava a galera para fazer a letra. Era tudo novidade. Foi isso.
Mas, isso reflete bem o momento que estávamos vivendo. Meio maluco. Tínhamos que fazer o álbum. Coloquei o tênis para me ver livre. Estava apavorado com a ditadura. Tinha gente sumindo ou sendo deportado. Eu estava morando no Rio de Janeiro contra a minha vontade e estava louco para sair do estúdio. Fez um pouco mal a mim no final. No início eu até curti, mas fiquei estressado e caí na estrada e fui ser hippie [risos].
Eita, como era essa época hippie?
Fumei muita maconha, viajei de carona e ônibus. Fui para a Bahia onde estavam todos os bichos grilos da época. Todo mundo ia pra Bahia. Saí com os discos debaixo do braço porque a gravadora tinha me dados alguns e fui passear pelo Brasil viajando de carona e ônibus. Foi importante essa saída. Eu me conheci como compositor, pude viver a minha vida como todo adolescente. Não queria ser um garoto precoce.
Qual era a sua motivação para fazer música?
Eu queria fazer música. Era o meu dia-a-dia. Eu estava fazendo o meu último ano do científico, só que Milton era mais velho e era amigo da minha mãe. Toda vez que ele ia lá a casa ele me via tocar e fez o convite de fazer o disco e ir para o Rio. Isso mudou a minha vida e eu não tinha nenhuma pretensão. Pelo menos não inicialmente. Não era um artista de gravadora. Eu nunca pensei em mim como artista solo, sempre pensei em banda. Eu curtia Beatles, Rolling Stones, era música de grupos. Gostava mais de bandas a solo. Mas aí passei a assinar o meu próprio nome e aí começou... Não tinha planejado. Eu me convenci de que era legal. Milton estava gostando e fiquei inspirado. Eu tive que pedir autorização para a minha mãe. Ela não quis deixar eu ir pro Rio. Dizia que era melhor deixar a música, que era arriscado e coisa de maluco. Negócio de mãe. Milton disse que eu tinha que ir pro Rio de Janeiro e a situação política deixava qualquer mãe preocupada. Fui pinçado. Eu gostava de música, mas isso foi um susto.
Qual é a sua motivação hoje?
A música sempre me motivou. O fato de estar vivo, acordado, comendo, respirando, as dia-a-dia, mulheres. Sou um ser que respira música. Transformar o silêncio em algo me motiva.
Você ainda tem o mesmo tesão para escrever?
Eu escrevo bem menos. Eu faço mais canções. Faço mais letras para as pessoas. Sou um cara que cresceu cheio de letristas em minha volta. Sempre teve alguém para escrever. Quando eu pensava em uma música já pensava em alguém para escrever a letra. No novo disco eu chamei o Chico Amaral. Não faço muito as letras, mas sei que eu tenho a capacidade.
E para entrar no estúdio?
Gosto de gravar. O estúdio é uma relação bem bacana – levar as gravações para casa e para o estúdio. Você pode usar toda a tecnologia, samplear, tem protools. Mas o importante é mesmo o velho bom ouvido – é a coisa principal. Eu uso as coisas do estúdio, tecnologia, mas o principal é a canção. É isso que você divide com os humanos.
Mas... Eu estava numa fase de ter surtos de composição. Passo três ou quatro meses só compondo e três ou quatro meses sem. Mas isso é uma fase. Com Um Dia e Meio eu estava fazendo canções todos os dias. Fiz umas 20, apesar de terem entrado apenas 12. Mas nesses últimos meses eu fiquei afastado. Agora volta a vontade. São movimentos de inspirações. Começa, começa e vai. São ciclos.
O que vão acontecer com essas músicas que não entraram em Um Dia e Meio?
Ficarão abandonadas ou irei usá-las no próximo disco. Eu não sei. Talvez discartadas. Como em Um Dia e Meio eu discartei várias. Não é um problema porque canções são feitas para não terem posse. Para o próximo disco derepente terei várias novas e não precise de uma. Se faltar eu uso. Se eu estiver muito fértil elas serão discartadas.
Como tem sido os shows de lançamento do novo disco?
Toquei no Rio de Janeiro no Canecão, em Belo Horizonte no Palácio das Flores, São Paulo no SESC Vila Mariana e em alguns interiores. Foi muito bacana. O público recebeu bem. Misturei bem as canções com o novo e o antigo. Eu percebi que o público não gosta só de coisas novas. Eles querem escutar coisas antigas que são uma referência. As músicas se misturaram. Eu pude perceber composições que começaram bem há 30 anos atrás. Toco as novas como se fossem antigas e as antigas como se fossem novas.
Por que demorou tanto para sair um disco com novas canções?
Eu me envolvi em outros projetos. Fiz o disco Feira Moderna. Fiz vários shows, fiz um com Samuel Rosa, viajando, tocando com Skank com as minhas canções. Montamos uma banda que nem era a banda do Skank e nem a minha. Inclusive ontem fizemos um show. Fazemos isso às vezes quando conseguimos uma brecha na agenda de Samuel Rosa. Começamos em 1999. Fiquei envolvido com isso.
É fácil encontrar as pessoas para fazer música hoje em dia?
Encontrar com as pessoas para fazer música é sempre bom. Eu trouxe parceiros novos para Um Dia e Meio como Tom Zé e Arnaldo Antunes e antigos como Bastos. Novos e antigos.
Tem alguma história legal que aconteceu durante a gravação?
[Risos] Uma história legal? Foi tudo bacana. Almoçávamos no estúdio quase todos os dias, agente repetia tanto o mesmo prato. Sempre comíamos galeto e fizemos uma brincadeira de chamar o disco “Um Galeto e Meio”. Eu chamei a Ana Karolina para cantar na música “Até Amanhecer”. Ela estava no estúdio por causa do trabalho dela e eu pensei que precisava ter um vocal feminino e aí ela cantou. Foi tudo normal.
Os seus fãs têm crescidos com você?
Eu espero que sim. Eu sou meio inquieto. Pode ser que as pessoas estranhem, que tenham achado diferente e depois se acostumam e acham muito legal. Que estão comprando a idéia e gostando. Continuarei da maneira que for e não precisa está refletindo e mudando o tempo todo com a necessidade de ser moderno. Eu não tenho essa necessidade de ser moderno. As pessoas não perceberam que hoje é o futuro. As críticas foram favoráveis. As críticas oficiais que eu li. Um ou outro disse que eu poderia está perdendo fãs antigos, mas de uma maneira geral foi bom. Eu espero que as pessoas não sejam retrógadas. O artista tem necessidades, é um mutante, está sempre querendo mudar. Tem que entender isso. Especialmente quando mistura a canção. É o cara mesmo. Não está forçando.
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